segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A Sacerdotiza


Eu sou isso, e mais todas as outras verdades sobre mim. Mas nenhuma daquelas me torna menos o que realmente sou, e nenhuma delas me leva para outro ponto se não este onde estou: meu desejo de descer as escadas está maior que de tomar banho; mas paro no segundo degrau, e sou capaz de me lavar aqui mesmo. E então volto, suavemente para o degrau anterior, não por medo, mas para aproveitar cada milésimo de segundo em que meu pé esquerdo toca o terceiro degrau e eu não perca nenhum sentimento que exista nesse mini movimento que me provê o mundo.

Tenho zilhões de sentidos e sentimentos, e me dói a solidão a que me entreguei pela paixão. Hoje sou mais o meu eu, não sei se melhor, ainda, cada vez mais difícil, o tempo passando e nada resolvendo, tudo que eu quis era o que um pouco mais de tempo, um pouco mais de espaço, mas eu escolhi caminhos e agora os caminhos me escolhem, e pra variar eu não sou nada, não faço nada, deixo as coisas acontecerem, independente do que eu fui ou do que eu sou, não quero nada que já não seja, não desejo nada que já não tenho,

E, no entanto, sou ambiciosa e desejo o mundo, para mim, para os outros, de outra forma, de outro jeito, vejo os erros e dos erros aprendo verdades e enuncio-as mesmo sabendo que jamais terei-as verdadeiramente em minhas mãos, mas ainda assim a minha pretensão me vence e viro esta pessoinha que eu nunca quis ser e que tanto critiquei.

Meu desejo é sair dessa circunstância, eu sinto meu futuro ao toque de meus dedos, alias eu poderia estar no meu futuro agora, aquele que eu queria desde criança, que sonhei e nutri secretamente debaixo da coberta da minha cama, mas eu Cresci. Eu Cresci e agora não cabe a minha rebeldia infantil; eu cresci e agora a minha voz é grave demais para os agudos gritinhos de não quero; eu cresci e tenho que cumprir tudo que escolhi, as mesmas escolhas, as minhas, induzidas pela vontade de me tornar alguém para outra pessoa que não, afinal eu já era eu quando eu mesma decidi debaixo da coberta o que eu queria ser. Mas aquilo não era real, nem palpável.

Agora é.

Agora é e eu senti medo, e eu senti frescura, e eu me senti despreparada, e infantil, e pretensiosa e ridícula por saber que eu era capaz de fazer de verdade aquilo que o meu futuro queria.

Mas agora não é mais eu que quero. Não sou eu quem decide ou escolhe, já fui escolhida. Me tocaram: não é o toque divino, mas é como se fosse; sou eu quem encontro o tempo e o espaço, mas não sou eu quem decido; é através das minhas mãos, e da minha mente e do meu corpo e do meu sentimento que brotam essas coisas, mas ainda assim não estão sob controle de mim mesma: eles vêem, e o meu poder é encontrar o espaço para que saiam, e deixar sair.

Estavam aqui, tudo lá dentro, em um fundo de poço ou de baú, bem velho, empoeirado, um lugar profundo de quase profano. Eu, adestrada como um leão de circo, sentada sobre a porta que abre para o alçapão, eu mesma, guardiã de mim e de meus segredos, sentava-me com o calhamaço de chaves e adormecia, fazendo meu trabalho conforme me ensinaram.

E agora, duvidando e ao mesmo tempo provando que de fato aprendi a lição, agora eis-me aqui, em pé com as chaves da porta, o alçapão aberto, uma longa escada escura e sombria desce para uma penumbra que se ilumina por uma vela que no final, num ponto onde não vejo, deve estar a chamuscar. Não vejo direito, e não sei se são os meus olhos que não enxergam ou se a escada é que não se deixa ver – é essa a mágica; é dentro de mim ou é na escada? Essa escada faz de fato parte da realidade, ou está ela também dentro do meu olho que agora observa uma parede branca de tão sem graça, que para espantar o tédio de sentar-me sobre uma porta que não sei para onde me fez criar um mundo magnífico de velas e sombras?

Até onde sou capaz de ver, e até onde o meu ver é de fato capaz? O que me torno, à medida que escolho encontrar-me em outra casa, e me deixo deitar por outra pessoa, e em seguida me levanto e fujo, como quem foge da própria sombra que aprisiona meus movimentos, que são seguidos e refeitos em perfeição e fidelidade que quase suspeito que não sou eu quem executa? De quem é o poder de escolha, e qual é A escolha? Do que estou querendo e fazendo, do que sou de fato capaz de?

Abrir a porta do alçapão, com o molho de chaves na mão, vestida com minha roupa, simples e não simples: despretenciosamente arrumada, como quem escova os cabelos para ficar em casa – essa sou eu no espelho, apenas eu, não me arrumei para festa nem cerimônia; eu já tava ali, assim, eu mesma, de sempre e de rua, e de repente eu já não era quem eu sou.

Mas o que eu era antes? Estava eu sentindo de fato alguma coisa sensata, eu queria de fato estar ali? E a pulga que me mordia as orelhas, ela não conta, aquela pulga do meu gato, que de tanta solidão e medo dorme ao meu lado no vazio da solidão, ela não conta? E os segredos que não contamos para nós mesmas, e os acontecimentos que se passam só do lado de dentro do olho, e só quem é capaz de ver são as retinas fixadas atrás deles? Se ninguém viu, eles não existem?

A porta aberta, o ponto sem volta, the point of no return. E agora para onde segue, adentrar a luminescência decadente de poeira e velas, que muito provavelmente me sufocarão de tanta ancianidade? Serei eu responsável por tudo que me acontece, terei eu consciência e proficiência para aceitar meu erro que me acerta, e acertar no acerto que me erra, aquilo que de tanto tempo guardado juntou poeira e queimou todas as lâmpadas e me deixa cada vez menos digna porque escondida?

De onde posso falar, se é que minha voz ainda existe? Será que alguém ouve alguma coisa dessas profundezas, tem alguém me vendo ainda? E quem me vê, vê o que, me vê louca hipnotizada Perséfone?

E quem me vê me trará chocolates, e queijos, ovo e batata para que eu não morra de fome? Eu escolhi morrer, e comigo morre uma parte que era um eu, mas não era o eu que escolhi, era o eu que me fizeram ser, onde eu era, por vontade própria, aquilo que se deve ser, e olhando pelo espelho vi claramente que estava me tornando aquilo que não era.

Morre comigo eu mesma, a minha tristeza e a minha solidão, por outras duas ainda maiores, e mais densas, e talvez menos confusas, mas muito mais empoeiradas e metidas a maduras. A minha maturidade não está comigo nem depende de mim: ela está no de fora, no que me dizem e me vêem, no que me acertam e no que eu acerto. Mas por enquanto erro,

Erro,

e nos meus erros, moram as minhas vontades, meus desejos infantis de tão puros e simples, que não conjuram com aqueles e aquelas que apesar de seus sentimentos, não superam a mim.

Eu sou infeliz, e sou desgostosa. A parte isso, sinto em mim a alegria serena de uma criança pulando e gritando saltando degrau por degrau em direção ao mistério e à indigna verdade sobre a vida.

sábado, 31 de janeiro de 2009

As certezas sem dúvidas.

Desejava sentir sua respiração, era apenas isso. Um sentido para aquela quantidade de ar que era obrigada a inspirar. Em sua busca, enlouqueceu com a quantidade de sentidos ignóbeis que encontrou.

Sentiu intensamente verdades em seu peito, verdades não faziam parte de sua realidade. Sentiu, sorriu e gozou.

Da loucura, pôs-se de cabeça para baixo e observou todas as peças do quebra cabeça pelo lado do avesso. Não via o desenho, mas via os encaixes. Tornou-se estrategista. Por intuição. Confiou no que sentia, e agiu.

Foi quando seus sentidos a traíram.

A sua imaginação era forte, e a criação era real. Como tudo que é mágico, encantador e artístico.

Não tão real quanto a velha materialidade. Alem do velho e fraco portal, por onde escapam aos corajosos que covardemente não vivem na matriz, pouca coisa havia. Seria necessário construir, renovar e mergulhar.

E não seria impossível, se não fosse traída. Traída por seu peito, por sua própria ilusão. Ela até seria capaz de matar-se, mas não o fez enquanto havia tempo. Sentada, viu o portal fechar-se. Sentiu um vazio invadir a alma, e o amargo gosto da ilusão. Desejou não sentir sua respiração mais uma vez e lembrou-se de que ao menos isso era capaz de fazer.

Incompleta. Eternamente vazia. Sorriu por não ser feliz. E seguiu, séria, cética e mais uma vez, certa de que não consegue errar, mesmo com muito esforço. E pela primeira vez percebeu que um erro pode ser pior que aceitar a certeza diariamente.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Grandes pensamentos...


QUANDO VOCÊ PENSA QUE SABE TODAS AS RESPOSTAS, VEM A VIDA E MUDA TODAS AS PERGUNTAS (Veríssimo)


NÃO EXISTE SAUDADE MAIS CORTANTE QUE A DE UM GRANDE AMOR AUSENTE (Zé Ramalho)

NINGUÉM NESSE MUNDO É FELIZ TENDO AMADO UMA VEZ. (Raulzito)


Quanta infelicidade ainda é preciso para se aprender a viver??
Eu só queria um pouco de sabedoria para encontrar paz.
Acho que estou triste. Mas só por hoje nao vou me machucar.


Fortaleza

Maíra Baky


Sobre todas as coisas. Sobre se envolver. Sobre gostarem de você. Sobre gostar de alguém.

Sobre o desejo. Sobre a solidão. Sobre ser correspondido. Sobre ser rejeitado. Ficar esperando. Solidão.

Bate, não volta.

Volta e bate de novo. Quando você está forte, te derruba.

E quando você está de pé e quando você está sentado.

E quando você acha que tudo pode. E quando você é rejeitado.

E quando você quer porque quer.

Não tem jeito, sofre.

Isso porque são todas as coisas.

Coisa nenhuma e coisa toda. Bagunça. Frenesi.

Sentir é querer; querer não é poder.

Ser feliz é uma coisa; estar feliz é outra.

E quando eu penso que posso é quando mais eu tenho medo.

De não poder, de perder, não viver.

E quando eu caio e choro e levanto é quando mais eu penso.

E quando eu reflito, me aflijo e resolvo. Elucido.

Eu sou eu de novo, mais forte, melhor.

Porque o que não me mata me fortalece.

Como todas as coisas.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Intensidade e Durabilidade

Nada pode ser intenso a ponto de durar. Ou a intensidade se espalha por espaço-tempo continuo, ou a intensidade suga, devora e se esgota num piscar de olhos.

O pior de todas as escolhas é ter que decidir a curto e longo prazo. Pela sociedade de consumo somos educados para esgotar todas as possibilidades no menor tempo possível. A boa educação diz que devemos dar lugar para o amadurecimento, para aquilo que é seguro, tranqüilo e sereno, a ponto de confortar-nos velhice a dentro. E a filosofia da felicidade recomenda: carpe diem, aproveite o dia!

Sempre ancorei-me na segurança perene, aquela que me conforta e me aquece nas noites de chuva. Pude desfrutar de muitas conquistas com a consciência de que tudo estaria bem, uma vez que eu me dedicasse aos poucos. Como o velho ditado diz de grão em grão a galinha enche o papo, e uma longa caminhada começa com um único passo.

Mas o mais estranho de tudo é sentir-se desconfortável com o conforto, e desejar a instabilidade e o desapego. Sabendo que nada pode acabar bem, que nada vai ser como antes e nada que eu faça vai tornar a minha vida mais doce do que já foi, eu posso me ver envelhecer, sozinha, sôfrega e abandonada por tudo e todos aqueles que eu amei.

Hoje eu queria arriscar, e já não posso. Hoje eu queria o colo da minha mãe, mas já é tarde. Envelhecer significa ser capaz de dar conta de si mesma. Custe o que custar, ninguém mais pode ser responsável por mim além de mim mesma.

É muito bom me encontrar nesse momento. Tanto tempo perdida e vagando sozinha pelas trilhas sem direção. Estar comigo mesma é poder contar comigo, mesmo sabendo que tudo pode dar errado e que mesmo que eu faça uma enorme burrada, ainda terei eu ao meu lado.

Ter que decidir por uma coisa ou outra significa ser capaz de abrir mão e apostar alto. Não sei prever o futuro, mas posso ver que a minha conta chegará, porque tudo tarda, mas não falha.

domingo, 4 de janeiro de 2009

A loucura e o portal²

Desgastada pela dureza das palavras e da beleza, deixou de sorrir. Encontrou-se com a faca na cozinha, mas foi incapaz de se punir. À beira do abismo decidiu que não havia mais nada a perder. Antes de morrer, decidiu deixar-se enlouquecer.

Fugiu de sua vida para outra, e supôs-se esquizofrenicamente felina. Levava ainda sua velha rotina durante o dia, e encontrava outra parta à noite.

Mergulhada nas profundezas da noite encontrou a inspiração. E tal como Perséfone não pode mais fugir de sua prisão. O roçar das cordas excitava-a. Valendo-se do pouco pudor que ainda tinha, despiu-se e tomou toda a vergonha do mundo para si.

Não podia mentir nem chorar, mas sofria. Era incapaz de escolher ou mandar, e embora petrificada, não parava em um só lugar.

Foi quando os portais se abriram e a realidade deixou de existir. Não queria mais saber de verdades nem desejos que não pudesse sentir. Quis morrer mais de uma vez mas o destino não quis. Por sorte ainda teria 7 vidas. Não queixou-se mais das luzes, e sem paz, se deixou viver.

O portal.

Acostumados aos previsíveis finais não-felizes, desejaram novos começos. Iniciaram-se em práticas tântricas, mas não encontrando sentido naquilo, escolheram o teatro.

Perdidos em tempo e espaço, encontraram-se os dois infelizes em uma dimensão paralela. Pouco à vontade, apresentou-se apressado, e ela achou graça de tal intromissão. Sentindo-se julgado e irritado, desistiu. E ela sussegou.

Encontraram-se afinal, no lugar esperado e perceberam que da realidade nada extrairiam. Calaram-se por alguns eternos minutos, e sondaram outras dimensões.

Surpreendentemente, o minúsculo mundo do qual faziam parte girou, e os copos e cigarros tornaram-se comuns. Embriagados de verdades e piadas, enxergaram algo além daquele espaço, e sorriram. Não sabiam bem ao certo sobre qual opinião discordavam, mas perceberam-se novamente atravessando o velho portal.

Aproveitaram que ninguém estava vendo e fugiram, mas a realidade tornou impossível. Encontraram juntos algo inominavelmente bom, e confortados, não viram (ou fingiram não vir) as saídas esgotarem-se.

Deixaram-se levar pelo mais precioso tempo de que dispuseram, e desejaram nunca mais sair. Estavam felizes afinal, e uma busca cessara enfim.

Mas ainda juntos, desconfiaram do tempo e do final infeliz que se apresentava com freqüência. Tentaram correr e espernear, mas o portal se fechara. Não havia mais saídas, e a entrega tornou-se obrigatória para pessoas que odeiam obrigações. Mas nada pode ser tão ruim quanto não ter alternativa de final feliz.