sábado, 31 de maio de 2008

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Velhos amigos e amigos velhos


Esse mundo anda meio estranho... uma atriz que ninguém conhece ganhou o premio em Cannes; um atleta que todo mundo conhece comemorou a derrota... Vocês têm achado comum as noticias dessa semana?? Eu fiquei bem quieta, na maior ressaca moral de não ter ido à parada gay, hunf.

Enfim... desse mundo aqui, parece que nada é o mesmo não é verdade? As coisas andam meio estranhas...

Agora nada como velhos amigos, da nossa idade. Pessoas pra quem você pode dizer o que pensa, o que sente, fazer uma piada, sem ofensas, só pra rir. Olha, to precisando urgente. Minha grande amiga voltou de viagem e nossa, só de saber que ela está a 10 km já é uma felicidade sem fim.

Não agüento mais conviver com velhos. Onde eu vou, estudo e trabalho, só vejo esses seres infames. Pessoas mal amadas de cinqüenta anos, a grande maioria divorciadas e pouco felizes. Pessoas rancorosas, pessoas morimbundas. Pessoas que amam seus filhos, lambem a bunda deles e depois, oh, você que se arrume com esse sujeito infeliz que quer outra mãe pra cuidar dele. Essa eu ouvi hoje: “ah, já criei bastante, já me deu muito trabalho ele que arrume outra mulher pra cuidar dele um pouco”. É assim que essas criaturas malditas deixam esses marmanjos barbados querendo que a gente limpe as bundas, lave, passe e ainda vista roupinha sexy pra brincar de médico.

Nada me faz odiar mais esse mundo do que essas velhas cinquentonas. Nada. Juro pra vocês, minha vontade era esganar, gritar, sapatear, socar muito uma pessoa que fala isso esperando que você aceite de bom grado. E quando você argumenta, (e eu no auge da minha argumentação quase perco a razão, nossa fico violenta huahua) ela vira pra você e diz ‘ah você é muito nova, não cuspa pra cima, você ainda vai passar por isso, você ainda vai ter filho’. Olha, eu fico pra morrer quando acham que eu não sei de nada porque eu sou nova (e até sou, mas hoje em dia as pessoas são tão novas que eu me acho até meio velha!) - dizem que os jovens são orgulhosos e presunçosos, e têm mais que ser! Afinal, os velhos são o quê com essa torcida de 'eu sofri, mas agora voce tambem vai sofrer'?. Então é assim, aceite, sua besta, você é uma mosca, você nunca vai fazer diferença e se fizer, vai ter que limpar a merda que eu fiz. Porque os MEUS FILHOS são lindos, gentis, bla bla bla. ¬¬

Nada pior que uma boa velha e querida dona de casa pra tentar deixar a gente com dor na consciência. A mulherada se esforça, lembra de ligar antes de ir, pergunta se precisa de alguma coisa, faz uma firula pra não chegar muito cedo, ou ao contrário, chega de propósito um pouco antes pra dar uma força. E o que mais elas querem? Elas querem que você assuma o papel delas, de mulher infeliz na vida, que foi largada e continuou a batalha, que faz tudo por todo mundo e que você, mulher também, como um dia vai ver isso de perto, você, minha querida nora, sobrinha, filha, amiga, você tem que me ajudar, é mais do que a sua obrigação. E aí você fez o que achava que tinha que fazer, se importou mas na hora da festa, desculpa tia, mas eu não vou pra cozinha não.

E vou ser sempre mal educada, preguiçosa, petulante, porque é só com muita raiva (e paciência! Tome paciência! Um balde de paciência!) pra poder mudar esse mundo um pouquinho assim. Do tamanho da minha insignificância.

Na boa, sem ofensa, idiotas tem de todas as idades, (inclusive uma frase que eu amo do Nelson Rodrigues vou ate postar ae em abaixo) mas só pra mudar o clássico ‘esses jovens andam muito alienados’, essa coroada anda precisando levar uma chinelada na bunda! Ah, e fazer muito sexo, porque gozar é o que eles não fazem há muito tempo.

A mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter quinze, dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis, há santos, há gênios de todas as idades.

Nelson Rodrigues

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Café e parada gay

Ontem foi a parada gay paulista, hoje eu vi no jornal aquele mar arco-íris de gente. E senti saudade do dia em que peguei o avião, e estava acompanhada e nem era namoro; ela estava ali de companhia, extremamente doce e divertida, me fazia acreditar que um dia tudo seria banal e tudo seria feliz.

Exaustas da corrida de 48 horas, depois de atravessar a avenida paulista, correr feito umas miseráveis, dançar enlouquecidamente, depois de tudo, voltávamos para nossa vida pequena e infame, e no aeroporto, os óculos escuros escondiam as marcas do tempo em nossos rostos; sentamos para esperar o vôo, e o aeroporto era nossa casa – milhões de gays voltando pra suas vidas como nós, e tudo parecia estar em seu lugar. Tomamos um café, um pão de queijo, uma água. Eu olhei pra ela, ela estava ali. E nesse momento, pequeno e finito, percebi que a vida era bela, que sorrir era a única solução depois de tanta diversão e tanto cansaço, estávamos juntas e isso era uma felicidade sem fim.

Mas o tempo (mais uma vez, o tempo!) provou que estava errado, que as coisas só são infinitas enquanto duram, ou melhor, só são amáveis antes de acontecer. Porque enquanto suspiramos e amamos tudo é incrível, mas quando convivemos e discutimos, a dureza da realidade, sim, a dureza dos defeitos que surgem na convivência são insustentáveis a longo prazo.


A historia das coisas

Este videozinho é didatico e muito serio sobre a produção das coisas.

Anne Leonard é a ambientalista que produziu o filme, e mantem o site com blog atualizado e varias outras coisitas. O único problema do site é que tudo é ingles, mas a mensagem melhor impossivel.

Recomendo a todos, e quem puder, repasse...



sexta-feira, 23 de maio de 2008

Ficar mais velha


E eis que chega a data mal aguardada, a fatídica data onde você literalmente adiciona 1 ao resto dos anos que viveu.

Ontem, dia 22 de maio, foi mais um desses dias.

E então o ritual cumpre-se tal como se deve cumprir. Você mal acorda e as pessoas te agarram e parabenizam. Você cumpre a rotina de lavar o rosto, ir até a cozinha tomar água, e então, alguma coisa parece estranha. Parece que deveria ser um dia especial, você sente isso, mas na verdade não é tanto assim. Então você enfrenta-o como se fosse um dia normal, mas de normal mesmo, não tem nada.

Então visto uma roupinha bonitinha e confortável e me lanço aos abraços. E o telefone não pára. São mensagens, abraços, beijos, parabéns e todo o ritual básico programado.

No Orkut, são mais de cinqüenta mensagens, muitas vezes de pessoas que mal conheço, ou se conheço, mal vejo-as no meu dia-a-dia. Algumas pessoas importantes deixam mensagens bonitas. Mas a grande maioria deixa o fatídico parabéns muita paz muita saúde e uhul, cumpri meu dever de cumprimentar.

E então aparecem pessoas que não fazem muita falta, e outras que quase nos matam com suas ausências; mães culpadas lembram de quando trocaram nossas fraldas e pais sumidos dão aquele risinho irônico de está ficando velha (na verdade eles se sentem muito mais velhos!!).

E é isso. Você até pode querer fazer algo pra você, ir a um restaurante ou outro lugar de sua escolha e preferência, mas sempre terá que satisfazer os outros que acham que é obrigação esse cumprimento afagado de abraços e beijos desnecessários.

Ficamos ansiosos por telefonemas de pessoas que gostamos. Ficamos entediados com telefonemas de pessoas chatas. Que um dia intenso, esse! Não dá pra fingir que é normal. Mas também não dá pra dizer que é especial – porque a grande ‘especialidade’ é deixar as pessoas confortáveis de celebrar uma data de outra pessoa.

Pessoas fazem aniversários o ano inteiro. Todo mês tem alguém para ser cobaia deste ritual. Todo mês sentimos a obrigação de ligar, de ir a um evento como esse, de deixar uma mensagem, de dizer ‘muita paz, muita saúde, que sua estrela brilhe sempre’. Quando realmente desejamos isso para uma pessoa querida, normalmente as palavras saem floridas, e talvez nem dizemos exatamente isso; mas quando é apenas uma tarefa, somos robotizados e falamos sem nos deter muito no significado delas.

Detesto abraçar quem não me importa, detesto que me abracem sem realmente desejarem isso. E é ridículo dar continuidade a esse ritual, porque na verdade a parte do ‘especial’ só acontece se você realmente ama essa pessoa e realmente se importa. Detesto a falsidade do sorriso de alguém que não me conhece, não faz a menor diferença conhecer que chega, abraça e beija, sem a menor intimidade. Pessoas que diariamente sequer desejam bom dia, como se tornam falsas no dia do seu aniversario. Detesto esperar por alguém que considero importante e esta pessoa simplesmente não aparece, não beija e não telefona.

E, por último, e não menos ridículo, é o aniversariante que quer atenção. Ele não fala com ninguém, ele não gosta de nenhuma daquelas pessoas, mas espera e quase exige que todos o cumprimentem, com beijos e abraços esse dia tão (in) esperado. Exigir dos outros a devoção, isso pra mim é o fim da picada, afinal quem ele pensa que é para ser tão especial assim.

Pra mim o filé mignon do aniversario é o dia seguinte. É comer o resto do bolo sozinha, curtir os presentinhos ganhos, ouvir telefonemas atrasados (sim, porque quem realmente importa só liga depois). Acabou o karma, o inferno astral, a tensão de ficar mais velha, de esperar ligações, de sentir o tempo passar e se perceber diferente de um ou dez anos atrás. É como correr pro abraço depois de marcar o gol. E é hoje, dia 23.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Inclassificáveis

Arnaldo Antunes

Q
ue preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?

que preto branco índio o quê?
branco índio preto o quê?
índio preto branco o quê?

aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos mamelucos sararás
crilouros guaranisseis e judárabes

orientupis orientupis
ameriquítalos luso nipo caboclos
orientupis orientupis
iberibárbaros indo ciganagôs

somos o que somos
inclassificáveis

não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,

não há sol a sós

aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos tapuias tupinamboclos
americarataís yorubárbaros.

somos o que somos
inclassificáveis

que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?

não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não tem cor, tem cores,

não há sol a sós

egipciganos tupinamboclos
yorubárbaros carataís
caribocarijós orientapuias
mamemulatos tropicaburés
chibarrosados mesticigenados
oxigenados debaixo do sol

Vida inteligente


Tem mais aqui ó

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A.


A dureza das palavras comandava a sua vida. Era pra ser assim, defensora dos oprimidos, sabedora das organizações e das longitudes com que se conduz a vida.

Tinha uma memória irrevogável. Lembrava-se de tudo com detalhes, das réplicas e tréplicas ditas e não ditas; da ordem cronológica dos fatos e dos sentidos, e de como reagira a cada situação vivenciada.

Sabia exatamente tudo que estava errado, sabia que as regras foram feitas para que se pudesse roubar mais, ela estudou tudo isso.

Sabia que embora não pudesse mudar o mundo, poderia mudar o mundo ao seu redor, ou ainda, poderia mudar a sua atitude diante deste mundo. Sabia que às vezes encontraria com quem contar, sabia que não venceria todas as vezes, mas que encontraria força nas derrotas para ir além de tudo que já havia feito.

Sabia tirar forças de onde aparentemente não teria nada; sabia representar o que esperavam, e o que ela esperava também, ela sabia representar o que queria ser, mas em algum momento, indefinido ou turvo, ela mesma perdeu controle sobre si mesma.

E passou a representar mais que fazer, e passou a imaginar mais que agir, e passou a se repreender por isso. E passou a não amar mais o que tinha, e passou a detestar tudo que fugia ao alcance, que fugia à regra e à organização que ela própria designara – porque tudo teria sua própria ordem, e o que desejava era um sentido, um sentido próprio para a vida, um sentido coerente, certo, honesto, um sentido, teria que encontrar um sentido.

Mas o seu sentido era cruel, era duro, era perfeito. O mundo ao seu redor perdia-se em curvas e erros, as pessoas cometiam enganos e tropeços e ela não saberia como agir – ela queria corrigi-los, corrigir os que erravam, e corrigir o que estava errado. Ela precisava melhorar o mundo para que pudesse se sentir um pouco mais à vontade consigo mesma.

E então passou a ser dura consigo mesma, e passou a não se perdoar por errar. E passou a se odiar, porque tinha um compromisso com a verdade e a encenação da verdade não era mais verdadeira quanto a sua perfeição. E então encarava tudo isso como uma provação teria que passar por isso para crescer e porque aceitava esse teste alcançaria algo alem da sua própria vida muito mais perfeito e muito mais real que qualquer encenação. E passou a repreender-se quando gostava de algo errado, e passou a fugir de momentos que a conduzissem ao erro. Passou a organizar-se aos poucos e continuamente, passou a separar papéis e roupas por tipo, tamanho e cores, passou a alinhar os objetos tortos, passou a utilizar seu olhar clínico e crítico para apontar erros, não para julgar, mas para fazer desse mundo um lugar melhor para si mesma. Ela acreditava que seria melhor para os outros também.

E então passou a assumir mais responsabilidades que podia, passou a se unir a pessoas que pensariam assim, e passou a se comparar com pessoas tão perfeitas quanto possível. E percebeu que por mais força de vontade e precisão, ainda assim continuava próxima à imperfeição.

Não realizara o que esperavam dela, não conseguira seguir uma vida tal como esperava e tal como esperavam. Não conquistou o que deveria ter conquistado, não se satisfez com o que tinha. Ela queria mais, mas querer mais era um erro, e ela se punia com seu próprio erro. Isolava-se em busca de ser melhor do que fora no dia anterior.

E os dias passaram, e as memórias se acumularam. E lembrava com detalhes cada ação, cada correção, cada imperfeição melhorada, cada avanço e cada estagnação. Sabia com detalhes o que deveria ser melhorado, sabia os limites que alcançava com seus atos e sabia que a parte torta não dependia dela. Dependia de outros, outros errados e imperfeitos que jamais conseguiriam corresponder este grau de perfeição.

E das recordações passou a se nutrir, e a recitar palavra a palavra, gesto a gesto, na esperança de um dia alguém se lembrar e recontar essa historia. Seu maior medo era cair no esquecimento, era não fazer diferença depois de todo seu esforço, ela queria ser lembrada pelo que fez e o que pensou.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Você já sabia

Sabendo que o mundo é assim. Sabendo que o valor das coisas está na etiqueta e não na emoção que se envolve. Sabendo que esperam que você vença na vida, e esse vencer significa ter um emprego estável bem remunerado e um casamento feliz. Sabendo o que esperam, sabendo o que pensam, sabendo que tudo se reduz a marcas, compras e prestações, sabendo tudo isso deveríamos ter uma atitude diferente diante das coisas.

Sabendo que existem três profissões de prestígio (engenharia, direito e medicina) e uma quarta via que é a da comunicação; sabendo que não dá pra ganhar mais de três mil se não viver em função de dinheiro e de cortes, sabendo que você escolheu ser outra coisa alem do que esperavam, sabendo tudo isso você opta por se adaptar, você acredita que vai dar certo, que gostar e se envolver com o que faz vai levá-lo mais longe do que se amarrar em uma cadeira de escritório.

Sabendo que essa escolha foi imatura, que quando você fez você tinha dezessete anos, você era virgem, não só de sexo, mas virgem de experiências, virgem de escolhas, virgem de trabalho. Virgem de patrão, virgem de emprego, virgem de expectativas. Você achou que ia ser bom ser o que seja lá que você escolheu – ser professor, arquiteto, jardineiro, designer, jornalista. Você achou que estava sendo sincero consigo mesmo escolhendo um caminho. E estudando você descobriu que tinha que saber muito mais coisas do que realmente achava necessário, e teve que provar que sabia coisas que nunca lhe foram úteis e talvez nunca serão. E ainda assim, você acreditou, seguiu em frente e deu sorte. Arrumou um emprego, uma proposta nova, uma forma entusiasmada de provar que o que você pensava sobre si mesmo estava certo – você achou que teria A chance, aquela que você esperava desde que escolheu ser o que você acha que é.

Mas a rotina pega você. A rotina, o patrão, as quarenta horas semanais, a jornada incessante, burra, repetida, os colegas e a mesmice que se repete em qualquer espaço que você freqüente por mais de três meses. Nada nunca vai se encaixar nos seus planos, os sonhos são sempre outros além da realidade, o desejo de ser melhor, de sentir-se bem, de criar e contribuir para algo, tudo isso dá uma leve impressão de que você fez a escolha errada, ou de que está no lugar errado, e talvez tenha mesmo alguma coisa fora do lugar –você ou o lugar.

E então você pensa, chora, dá um ataque, tira férias, faz um sexo básico; tira de dentro da caixa de baixo da cama ou de cima do armário o seu baixo, a sua sapatilha, o seu pincel, e de repente você tem dezessete anos, você canta, dança, pinta e nada mais faz sentido. Porque a vida é assim – nada faz mais sentido do que a arte.

Mas segunda feira chega – uma hora ela chega – e se você tem amor a si próprio ou ao apartamento recém habitado, você parte pra fazer a sua parte no mundo, você vende suas oito (centas) horas diárias, você se entrega, entra no ônibus, pensa na vida, ouve uma música, ou dorme.

E seguindo chacoalhando pelas ruas adentro, você pensa que nada faz sentido, que você era novo pra decidir essa vida, que nada deveria ser assim, mas que é exatamente assim, e você, meu querido, minha querida, você faz parte disso, você está dentro de um esquema muito maior do que a sua ínfima existência, e o pior, a sua (in) existência depende desse ritual canibalístico, onde cada um cede seu tempo, seu amor, seu tesão na vida, seu sonho e sua aventura para as quarenta horas sentadas diante do micro.

Mas você já sabia! Você já sabia o esquema, você sabia que teria que trabalhar, você sabia que um dia você seria independente, que você pagaria suas contas sem dar conta disso pra ninguém, você sabia que teria uma oportunidade, você sabia que poderia ser isso que você é, você sabia. E o que mudou, você conquistou o que você queria aos dezessete, você é adulto, um adulto criativo, um adulto descolado, você é tudo que você sonhou, mas o sonho saiu da imaginação e impregnou a sua existência até o osso.

E agora você não quer? Ou você quer outra coisa que nem sabe direito o que é? O que mudou dos dezessete pra agora? Você amadureceu, cresceu, quebrou a cara, ralou, conquistou algumas coisas, uns canudos, uns espaços, você fez alguma coisa, mas por que parece que não está certo isso, por que essa insatisfação permanente, por que essa sensação de “eu não quero essa vida daqui, me dá outra” ou “pare o mundo que eu quero descer”?

E agora, qual é o seu sonho? Voltar a tocar tão bem quanto antes, dispor de aulas no meio da tarde pra alcançar isso, ou apenas largar tudo e ser nada, ser um viajante, sem casa sem dinheiro sem nada. Talvez leve mais uns dez anos pra você chegar a esta reavaliação, ou talvez não. Você já sabe o caminho, você já sabe o esquema e conhecendo o jogo, tendo jogado, perdido e ganhado você pode ir além do que os outros, além desse ponto onde você parou. O importante é não parar, pode até olhar pra trás, comparar, refletir, chorar, se arrepender, e esquecer, ignorar; mas tem que continuar, se reaprumar, como um caminhante, que olha a estrada atrás e a bifurcação à frente tem muito ainda pra andar, mas você já passou por estrada suficiente pra saber qual lado da sola do sapato gasta mais.

Você já sabe que o jogo é esse, você já sabe onde pode chegar. A escolha não é ganhar dinheiro ou não, a escolha não é ser perdedor ou vencedor. A escolha está muito além disso, está na sua relação com o que você gosta, com o que você sabe e o que desconfia, entre o que você faz pros outros e o que você faz pra você. Por incrível que pareça, antigamente as pessoas levavam cinqüenta anos pra entender isso. Você ainda nem tem trinta! Crescer faz parte do plano, e errar menos faz parte da regra. Pense nisso.


quinta-feira, 8 de maio de 2008

VIVER

Ela só precisava de um minuto para respirar. Talvez dois, três, cinco. As noticias chegam rápido demais, pegam de surpresa, assustam, aterrorizam. Estapefeita, ela se sente agora aflita, de uma aflição que a toma o juízo, e tudo que ela tinha construído e tudo que ela queria mais na vida se desmancha como uma gota de tinta azul num copo d´água. E nada faz sentido. E nada a faz sentir. Uma dormência atinge o auge da sua existência, uma anestesia aos prazeres da vida, e a memória do último beijo e do último adeus é o que a lembra de que ainda está viva.

Ainda está viva, apesar da dor, do sofrimento, dos pesares, do juízo de que nada mais faz sentido, da inexistência de motivos, de planos, de direção. Para que ainda está viva, por que o meu Deus me mantém sobre as pernas, quando na verdade tudo faria muito mais sentido se não estivesse.

O amor morreu, e ela sente como se tivesse morrido com ele. Agora restam apenas espelhos, apenas atos impensados, autômatos, ela segue pro trabalho, ela segue se alimentando, ela segue. Insensível à luz do sol que raia para todos, ela não percebeu que o sol raia para ela também.

A dor tremenda toma conta da sua mente, e a sua mente toma conta do seu corpo, e o seu corpo ocupa poucos espaços, se retrai, quer encolher, quer ocupar pouco. Ela não se vê mais. Seu tamanho é pequeno, pequeno demais. Ela não tem mais desejos, ela não tem mais prazer. Pra que querer alguma coisa, se nada dá certo, se nada virá. Pra quê. Nada, nada faz sentido. A vida engloba um grande nada. Mas é isso mesmo que é a vida.

Veja as abelhas, por exemplo. As abelhas seguem o cheiro, as cores, seguem as flores, seguem o açúcar. E são felizes, fazem o que devem, polinizam, se alimentam, se reproduzem. Essa é a nossa natureza. Mas não nos acostumamos a ver as coisas assim.

Não. Queremos mais, queremos ser mais. Queremos ser mais importantes do que os outros, queremos ganhar mais do que os outros, queremos ser mais felizes do que os outros. Queremos que a nossa vida tenha um sentido, queremos dominar o mundo com sentidos. Não queremos estar sozinhos, queremos companhia. Queremos falar sobre o que pensamos do mundo, queremos estar certos, queremos ser amados. Queremos que liguem para nós, queremos ser mais do que realmente somos.

Inventamos seres, damos nomes às coisas, para que possamos ter com que conversar. Inventamos deuses e divindades para que sejamos superiores, para que tenhamos algo o que fazer nos dias, para que veneremos algo que nos ajude a superar a nossa ínfima existência. Inventamos métodos, estudos, calculamos as distâncias e as probabilidades para que soframos menos. Inventamos desenhos, danças e sons para expressar nossas impressões, nossa necessidade de atenção, de carinho, para que nos comuniquemos, e coloquemos para fora o que nos aflige.

Mas nada disso realmente existe. Nada disso é real. Nossas idéias e nossos ideais, a perfeição que imaginamos, nada disso é concreto, nada disso é dizível, pronunciável ou representável. Somos o que somos. Como as abelhas atrás do açúcar é isso que é a vida.

E as sensações, a perda, o sofrimento, a ausência, a falta de rumo e de prumo, de que serve, pra que isso, por que isso? Apenas para lembrar que a vida é isto: é pequena, é inútil, é finita; para lembrar que existem mil outras sensações de prazer, de completude, de grandeza e de satisfação; para lembrar que mesmo que se perca tudo, ainda tem-se a vida e que, apesar de tudo e de todos, ela vale a pena ser vivida. Porque é só vivendo que se erra, é só errando que se aprende, é só sofrendo que se ama, é só amando que se vive. E é só vivendo que se tem história, é essa história que nos pertence e não outra, não a que queríamos, a que sonhamos, calculamos, especulamos, idealizamos. Não. Esta vida daqui é dura, é rígida, é imperfeita. Mas é tudo que temos. Agarremos-nos a ela e façamos com que valha a pena essa história ser escrita. E ser lida. E repetida. E recriada. E inspirada. E analisada. E desconstruída. E refeita, e reformada e costurada. E pronto. Nada mais existe, não tem deus, não tem amor, não tem mais nada. E é linda apesar de tudo, e é bom. É bom estar aqui e presenciá-la, sentir o cheiro do perfume das flores ou do café recém-passado, sentir o frio fresco da brisa que toca seus braços, observar o cuidado das dobras da asa da borboleta e das pinceladas esculturais de Van Gogh, ler um livro grudendo e descobrir, finalmente o destino de um personagem, é tudo e apenas isso o que a vida é e o que podemos ter. Sirva-se.

Imperfeição

Subitamente, tudo que estava exatamente em seu devido lugar se transforma. A inclinação do centro óptico para o eixo correto, entortar a cabeça através de uma torcida no pescoço tornou as imagens menos nítidas, as dores menos fortes e a existência mais rica.

É isso. Fui no médico. Nasci torta. Cresci entortando o pescoço. E acabou.

Então as dores, as torções, os mal estares, dor de cabeça, dor na coluna, enjôo tontura, tudo era uma torção no pescoço? Sim.

E agora? Agora terei que conviver com o problema. Ou operar, através de uma cirurgia, com risco de tornar o problema pior do que já é.

Conviver com o problema.

Estranho. Conviver com algo que já convivo há 26 anos. Mas eu já não convivia antes?

Sim, sem a consciência da causa das dores. Sem a consciência da imperfeição que me cerca. E olha sempre me chamaram de perfeita – como nunca repararam na inclinação do meu pescoço? Estavam focando no peito ou na bunda? Quem sabe no fundo dos meus olhos...


E de repente, não mais do que de repente, tudo faz sentido. A consciência é tudo que eu quero e tudo que eu amo nessa vida. Perceber subitamente que tudo é exatamente ao contrario do que você imaginava.

Descobri porque gosto de olhar para o mar, o horizonte me acalma os olhos. Descobri porque gosto de dançar, o alongamento alivia a tensão da coluna. Descobri porque as vezes meu nariz está na frente das coisas que vejo. Descobri quem eu sou, descobri o que eu fiz, descobri, descobri!

E não é uma sensação maravilhosa? Saber, se conhecer, e a pa rtir de agora poder agir.
Diferentemente, inesperadamente. Imperfeitamente.
Amo ser imperfeita.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Até onde posso ver?

Diariamente a rotina começa pela manhã, tomo banho, café, me arrumo, pego o ônibus, levo uma hora dentro dele, desço no mesmo ponto, atravesso, subo a ladeirinha, chego no trabalho. Sento na minha cadeira, abro os emails, jogo uma palavra qualquer no google, escrevo um pouquinho, tomo café, converso um pouquinho, trabalho um pouco, almoço. As mesmas conversas, alguém está doente, o filho de alguém está doente, alguém terminou com o namorado, alguém brigou com o chefe. Volto pra minha mesinha, tomo um café, escrevo um pouquinho, trabalho um pouquinho, alguém me chama no msn, nada de mais. Como uma frutinha, dou uma voltinha, vou no banheiro. A conversa começa a ficar boa, já são mais de quatro horas, tenho que correr pra entrar no ônibus, me aperto contra duas gordas cheias de sacolas, ouço meu mp3, o ônibus pega um transito, só consigo sentar quando para no terminal. Sento e espero mais meia hora, que o ônibus chega no meu bairro. As vezes desço uns pontos antes, gosto de vir andando pelo calçadão; as vezes não, as vezes desço no ponto certo, e os carinhas do ponto sempre mechem comigo, as vezes faço cara feia e falo um palavrão; as vezes não falo nada, passo rápido por eles. Quando da tempo atravesso mais pra frente, e quase que não ouço a brincadeira idiota deles. Chego em casa, tudo exatamente no mesmo lugar que eu deixei. E agora?

Tenho uma hora para fazer o que quiser. Posso dançar, posso ver novela. Posso lavar a louça, posso fazer cocô. Posso tomar uma cerveja, posso escrever um post, um poema, posso ler um capítulo de um livro. Posso fazer exercícios respiratórios, posso meditar. Posso ir na locadora e pegar um filme. Posso começar a cozinhar.

Dentro de uma hora chega meu maridinho, que me desaloja do pc (se eu estiver aqui), quer comer, quer ver tv, quer ouvir música. Conversamos sobre o dia, sobre o tempo, sobre como estamos. E quase sempre estamos bem, e quase sempre estamos do mesmo jeito. Ele me conta das aulas, me conta do que aprendeu. Eu comento alguma coisa que li, algum comentário que ouvi, alguma vontade de ser.

E dormimos. Às vezes dormimos juntinhos, às vezes esparramados. Às vezes sou eu quem dorme primeiro, as vezes ele desmaia antes de mim. Às vezes transamos. Às vezes gostamos do dia, as vezes torcemos pra que seja outro quando acordarmos.

E tudo se repete do inicio ao fim, dos dias úteis aos dias inúteis, dos dias claros aos dias chuvosos, muda-se o figurino mas não se muda a essência.

E quando seremos diferentes, afinal, daqui a um ano? Dois? Quatro anos? É preciso se formar, é preciso graduar, mestrar, doutorar. É preciso trabalhar, é preciso concursar. É preciso estudar, é preciso trabalhar. É preciso experimentar, experienciar.

E chamam a vida de experiência, e chamam a vida de útil, e chamam a vida de luz. E eu olho pra trás e agradeço por já ter feito um quarto das coisas, já terminei a escola, já terminei a graduação. Mas tem tanto ainda que eu quero ser, tanto ainda pra provar, tanto ainda pra aprender. Tanta coisa pra fazer. E já me canso de pensar. Não agüento mais estudar, mestrar, escrever, certificar. Quero ler, quero poesia, quero literatura. Quero falar espanhol, quero fugir dessa vida, quero estar em outro lugar.

O tempo inteiro – penso como seria se não estivesse aqui, se estivesse lá; se agora tivesse no metrô de Paris, como seria? Se tivesse que trabalhar em francês, se tivesse que estudar em francês, como seria?

Penso, se fosse dançarina e agora como seria? Estaria ensaiando uma coreografia chata, dura, morta das pernas e dos braços, exausta e infeliz por fazer eternamente o que um dia alguém imaginou que era perfeição?

Penso, e se pudesse ganhar menos, e se pudesse trabalhar menos, como seria? Ter mais tempo pra escrever, ter mais tempo pra sonhar, ter mais tempo pra aprender. Poder descansar, poder gostar. Será que eu estaria chateada ainda, será que acordaria e só veria o que é o ruim, o que é igual? Será que nunca vemos a diferença, porque nunca chegamos a vivê-la? A cada momento nos envolvemos com as igualdades, as coisas se rearranjam para ficar iguais ou somos nós que mudamos pouco ou nunca mudamos, mesmo se trocamos de lugar, de emprego, de namorado?

Somos constantes? Então por que diabos eu amo o movimento, a diferença e a mudança? Queremos coisas novas, mas não nos renovamos. Queremos que os outros mudem, mas nós mesmos nunca mudamos.

Ontem eu mudei, Eu tava boa, eu fiquei mal. Vi o lado positivo, depois o negativo. Depois mudei de ângulo, tentei ver diferente. Fiquei mais realista, depois tentei ser otimista. Depois doeu meus olhos, depois eu acho que dormi. E já estou outra, ainda a mesma, com dor nos olhos, será que eu ando vendo demais, ou será que tô forçando muito pra manter o foco? Preciso de um oftalmo pra me dizer o quanto eu posso ver.