domingo, 9 de novembro de 2008

História da paixão inacabada

Encontraram-se à toa, como quem cruza a rua. Ela o viu primeiro. Ele estava absorto em seu furacão de plásticos e pensamentos. Em suas loucas divagações, era comum ser observado – gostava disso. Nestes momentos falava mais alto, aparentando loucura e afastando os mais medrosos. Mas não conseguiu afastá-la: ela interessou-se ainda mais.

Tentava distinguir entre movimentos e resmungos algum sentido naquilo tudo. E a afetação desprovida de qualquer intenção encantou-a. Olhou com intensidade os cabelos e o nariz.

Ele percebeu que ela se aproximava. Era bonita, de fato, e parecia interessada. Tentou conversar, falaram-se afinal. Mas as palavras não disseram nada. Pertenciam a mundos distantes, e encantavam-se, às suas maneiras, com o mistério do outro. Sorriram. E tocaram-se. Descobriram e possuíram, em seus mundos, o deslocamento das fronteiras.

Ela era ligeira, e, com sensualidade abraçava o mundo. Isto lhe trouxe segurança. Embora às vezes aparentasse ser inconseqüente, ela não era realmente. E ele a admirava por isso – ele nunca tinha nada a perder.

Mas os homens fumantes, naturalmente, têm menos fôlego. E voltou à sua busca infinita por sentidos que nunca se prenderia. E ela tornou o seu amor platônico. Desejava muito, e sentia-se manipulada. A tristeza de uma solidão não compartilhada devorou seu amor. Abandonou-se à beira de um abismo por eternos segundos. E em sua queda vertiginosa, abriu os olhos.

E então... desejou desejar menos Sua paixonite cega se tornou míope, e foi capaz de perceber algumas nuances de perto. Ele não era tão crível assim. Tinha manias e medos insuportáveis e provavelmente jamais teria algo no que se segurar na vida. Com algum sofrimento sorriu e percebeu que não seria mais feliz ao lado dele, não mais do que já tinha sido.

Ele, das conversas, nada extraíra e percebeu que a beleza ocultava uma pessoa obsessiva, cheia de opiniões e histórias que jamais condiziria com a forma simples com que justificava sua vida. E sorriu por não ter que pedi-la em casamento. 

Ela mergulhou-se em seu amor próprio e ainda assistiu com algum ressentimento, o mesmo espetáculo do homem, agora para outras. Mas a esfinge estava decifrada, então dispôs-se a conversar com outras pessoas menos previsíveis. E de onde não esperava nada, eis que surge algo realmente mais interessante: da previsibilidade a surpresa aparece! O seu desamado sofre, e empilhando pratos sobre a cabeça não suporta a redefinição de fronteiras que antes havia deslocado. Não podia mijar no seu pé, mas tentou derramar cerveja. Enciumado tentou de todas as formas resgatar o seu espaço, mas era tarde. E ela, secretamente gozou com uma vingança não programada, mas tão doce quanto a o primeiro beijo de uma paixão perturbada. Era ela a mais estruturada, afinal.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Ela.

Nunca se dera conta de sua existência. Simplesmente vivia. Sua inocência fora roubada, e desde então, convivia com a simples e árdua tarefa de dissociar seus sentimentos da ordem prática da vida. Queria ir além, mas aprendera a se limitar. Permitia que se aproximassem, gostava de carinhos, mesmo que eróticos. Mas não admitia se entregar. Amar era demais para si. Não se sentia merecedora de amor. Ou nunca encontrara realmente o significado da palavra.

Não conseguia ir além de seus passos. Mas sua mente alcançava céus e infernos inimaginados. O tempo era relativo, e a sua experiência também. Tinha apenas uns vinte e poucos anos - e, no entanto, o que lhe restava ainda para viver?

Queria paz, mas em tempos de morte e tráfico, esta palavra era proibida. Então: fumava.

E sua fumaça entrelaçava os cachos que moviam seus pensamentos. Certamente tinha uma inteligência inigualável – mas nem mesmo ela admitia isso. Acreditava estar a frente de seu tempo. Mas como, se ainda não aprendera a amar?

Cruzou com um rapaz interessante. Tomou-o para si. Fez de tudo que pode e enlaçou-o entre suas pernas, bem debaixo de suas asas. E construiu sob o ninho um enorme castelo de cartas por cima de sua nuvem de idéias.

Mas ela tinha uma história! E não conseguia deixar de vivê-la. Queria mais, um furacão turbinado moia um motor a sopro dentro do peito. Queria mais, queria sentir-se bem, queria prazer, plenitude. Mas fazia-se em pedaços, e em cada parte de si mesma largava a fúria de uma vida indigesta.

Queria liberdade, mas a liberdade era frouxa demais para alguém que não tinha nada. Tinha medo de morrer, e de gostar. Então, sofria.