domingo, 12 de outubro de 2008

Palavras sinceras...

A intensidade da sua paixão corroia suas vísceras. Desejava mais que tudo a liberdade, ainda que suas apostas fossem maiores que pudesse pagar. Desejava coragem para uma renúncia súbita; mas não era dela que dependia os altos valores; era preciso mais que borboletas no estômago.

E não conseguia se conter. Embarcou fundo, precisava mais, o tempo inteiro. Sua imaginação não largava a ilusória paixão, e tolamente se encontrava com ele lavando a louça e escorrendo macarrão. Ou na paisagem da janela do ônibus.

Mais uma vez mais o destino pregava-lhe uma peça. Era um teste de resistência, consistência e profundidade. Precisava se concentrar, não podia lhe faltar ar.

Talvez ela não quisesse mais provar que estava certa, até porque não estava. Deixava-se levar por curiosidades e angustiantes dúvidas existenciais.

Tinha compromissos, ela sabia. E tinha consigo mesma estabelecido o acordo de nunca mais passar fome. De nada. As feridas estavam abertas, e ela não podia contê-las. Era tempo de cicatrizá-las.

Enfiou a mão dentro da bolsa. Tocou várias, mas não agarrou nenhuma delas. Queria a sua caneta, aquela que se adaptava aos seus calos, a única que era capaz de desenhar o exato suspirp da alma. A que escrevia as verdades.

Haverá um tempo em que papel e letra serão obsoletos, pensou. Mas mesmo nesta época, seu caderno estaria do seu lado, pois somente com ele seria capaz de desafogar a alma embebida.

E escreveu. Escreveu suas mágoas, seus desejos, seus ideais. Os mais pérfidos, os mais obscuros. Libertou sua alma de toda excitação, de toda incerteza e de toda agonia. Sua solidão doeu, e lágrimas romperam finalmente com sua angústia. A pessoa ao seu lado incomodou-se com seu choro. Mas não agiu. Ela também estava contida pelas emoções que não podia expressar.

Então fechou seu caderno, enxugou as lágrimas, e deu sinal para descer. Já era outra pessoa, confiante, feliz. Esquecera seu universo infinito de iceberg e voltou para a realidade.

Para seu consolo, sempre haveriam palavras que não precisariam ser lidas. Bastaria que fossem pensadas, anotadas. São aos casulos das borboletas do estômago – precisam ser rompidos para libertar a essência.

(des) AMANDO

A covardia é a pior forma de cretinice que existe. Mas tudo bem, porque como eu sou feliz por dentro, não me incomodo com os defeitos dos outros. Tenho os meus também.

Um dos meus piores defeitos é estar certa. Odeio quando estou certa. Eu vejo as pessoas, fazendo, falando, amando. E eu, comigo mesma, duvido. Digo essa pessoa não vai até o final. E não vai. E a minha outra eu, que queria tanto que eu mesma estivesse errada fica olhando, querendo colocar o dedo na boca, ou ganhar um afago, pode ser abraço ou cafuné. Mas não tem jeito nêga, não da pra confiar.

Eu amo algumas pessoas. E na maioria das vezes, sou amada também. Cada um tem seu jeito de amar, é preciso deixar que se seja amada. Mas as pessoas não sabem lidar com sentimentos puros, as pessoas não sabem nada sobre amor. O amor é um sentimento puro demais, a poluição da cidade ofusca seu brilho.

Então àquilo que a minha outra eu diz isto não é recíproco, a minha heterônima do dedo na boca responde: é preciso amar as pessoas como elas são... e elas amarão às suas maneiras tortas e confusas.

Mas não contenho meu desapego. Infelizmente sou mortal. Pra que tanta desconfiança, pra que tanta torteira? Por que as pessoas não se juntam, não se amam, e pronto, todos seremos felizes para sempre?

Minhas três de mim queriam se juntar, queria a companhia dos meus amados... queriam estar erradas e não desconfiar.... queriam um abraço, uma conversa... mas mesmo as pessoas da sala de estar não sabem amar...

Então... brota os opostos do amor. Endureço, esqueço finjo que não percebi, dou aula de amor ou lamento a minha dor. Onde fica o meu euzinho desamado, guardo na gaveta ou tiro do armário?

domingo, 5 de outubro de 2008

Andança

Você nunca vai encontrar alguém mais perfeito para você na sua vida. E se isso for verdade, até onde posso ir, e quais serão exatamente as escolhas e as renúncias que farei a mim mesma como prêmio da nossa ilustre combinação?

instantes-já que Lispector pronuncia de maneira formidável – e pouco importa o futuro, porque cada segundo é o futuro acontecendo e imediatamente tornando-se passado. Mas pouco me importa o tempo.

Mesmo que nos conheçamos hoje ou daqui a dez anos, ou conforme dizem, há mais de dez, isto não implica em nada mais do que o grau de lembrança que temos um do outro. Afinal, a intimidade nunca mudou e sempre foi assim.

Mas daqui para frente, que sei que você existe e você sabe que estamos bem, e ainda assim me liga e me ama gritando, e ainda revoltada eu volto e te amo, e ainda assim, queremos mais, queremos um mundo, mas onde está o mundo além de aqui com você dentro de mim?

Quero um jardim de acácias, mesmo que ainda não associe o nome à folha, ainda assim quero. Quero uma tela, quero uma música, quero dormir, acordar, respirar. Quero. E sei que dos meus queros, alguns você quer também, mas sei que existem outros tantos queros que você quer, que se somamos cada um dos queremos podemos chegar ao infinito. Como ir ao infinito sem tirar os pés do chão?

A existência não existe realmente, mas pelo menos duas ou três vezes no dia não consigo continuar a fazer sem botar algo na boca. O ar é de graça, mas a comida não é não. Mas a gente não quer só comida...

Quero muito e de todas as quereções, o que eu nunca senti com tanta intensidade foi querer mais ainda querer. E sei que ficamos bem assim.

Mas isso não é motivo. Isso ainda não é condição. Precisamos urgentemente mais e mais e melhor e mais rápido.
E, pra variar, no estilo tudo-ao-mesmo-tempo-e-quanto-mais-intenso-melhor. Amo-te mais do que poderia, mas a liberdade sôfrega, testo-a com intensidade. “Sou heróicamente livre”.

Lispector me entenderia...

Desde já é futuro, e qualquer hora é hora marcada. Que mal porém tem eu me afastar da lógica? Estou lidando com a matéria prima. Estou atrás do que fica atrás do pensamento. Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais. Estou num estado muito novo e verdadeiro, curioso de si mesmo, tão atraente e pessoal a ponto de não poder pintá-lo ou escrevê-lo. Parece com momentos que tive contigo, quando te amava, além dos quais não pude ir, pois fui ao fundo dos momentos. É um estado de contato com a energia circundante e estremeço.

Uma espécie de doida, doida harmonia. Sei que meu olhar deve ser o de uma pessoa primitiva que se entrega toda ao mundo, primitiva como os deuses que só admitem vastamente o bem e o mal e não querem conhecer o bem enovelado como em cabelos no mal, mal que é o bom.

Água Viva, de Clarice Lispector.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Encontrando-se

Suspiro.

Sua musa inspirou-lhe o caminho de sua vida. Queria mais, queria tudo. Precisava sentir-se viva, e para isto devia libertar-se de todo o resto. Todas as paixões mal resolvidas, as disputas, os rancores.

Se entregou. Começou lendo um romance. Em seguida, foi ao teatro. E então se perdeu pelas galerias dos museus e suas cafeterias ao final da tarde.

Foi então que, desacompanhada, se apaixonou. Seguindo seus impulsos não mais contidos, ela se deixou levar por tudo aquilo que mais repulsava de si mesma.

E já não sabia mais o que pensar. Temia as decisões. Antes mesmo era indecisa, sempre penava pelas escolhas – afinal, uma escolha é sempre uma rejeição. Nunca abriu mão de nada. Preferia que as coisas abrissem mão dela.

E então ele apaixonou-se por ela novamente. Era desta mulher que gostara no primeiro dia, tantos anos atrás. Por onde andara? Por que sumira por tanto tempo?

Em sua confusão não podia conter o desejo de desejo, e a paixão que lhe pulsava no peito. Ainda não sabia exatamente o que fazer, mas sabia que a vida tomaria rumos, querendo ou não. Mas, de tantas escolhas, preferiu não se definir. Definir seria limitado demais para seu estado de alma expansivo.

Secretamente desejou não ter nenhum compromisso. E assumiu consigo mesma o dever de sentir-se bem e feliz sempre, apesar de tudo.

Voltou a sonhar. E em seu sonho, todas as suas paixões se reuniam, num transe hipnoticamente orgasmático. Não queria o fim, a não ser que fosse precedido do êxtase. E este ainda não havia sido alcançado.

Na verdade, o gozo não era mais seu objetivo, mas o processo que a conduzia a ele. E agora, encontrado o caminho, não quis jamais deixar de caminhar.