terça-feira, 13 de maio de 2008

Você já sabia

Sabendo que o mundo é assim. Sabendo que o valor das coisas está na etiqueta e não na emoção que se envolve. Sabendo que esperam que você vença na vida, e esse vencer significa ter um emprego estável bem remunerado e um casamento feliz. Sabendo o que esperam, sabendo o que pensam, sabendo que tudo se reduz a marcas, compras e prestações, sabendo tudo isso deveríamos ter uma atitude diferente diante das coisas.

Sabendo que existem três profissões de prestígio (engenharia, direito e medicina) e uma quarta via que é a da comunicação; sabendo que não dá pra ganhar mais de três mil se não viver em função de dinheiro e de cortes, sabendo que você escolheu ser outra coisa alem do que esperavam, sabendo tudo isso você opta por se adaptar, você acredita que vai dar certo, que gostar e se envolver com o que faz vai levá-lo mais longe do que se amarrar em uma cadeira de escritório.

Sabendo que essa escolha foi imatura, que quando você fez você tinha dezessete anos, você era virgem, não só de sexo, mas virgem de experiências, virgem de escolhas, virgem de trabalho. Virgem de patrão, virgem de emprego, virgem de expectativas. Você achou que ia ser bom ser o que seja lá que você escolheu – ser professor, arquiteto, jardineiro, designer, jornalista. Você achou que estava sendo sincero consigo mesmo escolhendo um caminho. E estudando você descobriu que tinha que saber muito mais coisas do que realmente achava necessário, e teve que provar que sabia coisas que nunca lhe foram úteis e talvez nunca serão. E ainda assim, você acreditou, seguiu em frente e deu sorte. Arrumou um emprego, uma proposta nova, uma forma entusiasmada de provar que o que você pensava sobre si mesmo estava certo – você achou que teria A chance, aquela que você esperava desde que escolheu ser o que você acha que é.

Mas a rotina pega você. A rotina, o patrão, as quarenta horas semanais, a jornada incessante, burra, repetida, os colegas e a mesmice que se repete em qualquer espaço que você freqüente por mais de três meses. Nada nunca vai se encaixar nos seus planos, os sonhos são sempre outros além da realidade, o desejo de ser melhor, de sentir-se bem, de criar e contribuir para algo, tudo isso dá uma leve impressão de que você fez a escolha errada, ou de que está no lugar errado, e talvez tenha mesmo alguma coisa fora do lugar –você ou o lugar.

E então você pensa, chora, dá um ataque, tira férias, faz um sexo básico; tira de dentro da caixa de baixo da cama ou de cima do armário o seu baixo, a sua sapatilha, o seu pincel, e de repente você tem dezessete anos, você canta, dança, pinta e nada mais faz sentido. Porque a vida é assim – nada faz mais sentido do que a arte.

Mas segunda feira chega – uma hora ela chega – e se você tem amor a si próprio ou ao apartamento recém habitado, você parte pra fazer a sua parte no mundo, você vende suas oito (centas) horas diárias, você se entrega, entra no ônibus, pensa na vida, ouve uma música, ou dorme.

E seguindo chacoalhando pelas ruas adentro, você pensa que nada faz sentido, que você era novo pra decidir essa vida, que nada deveria ser assim, mas que é exatamente assim, e você, meu querido, minha querida, você faz parte disso, você está dentro de um esquema muito maior do que a sua ínfima existência, e o pior, a sua (in) existência depende desse ritual canibalístico, onde cada um cede seu tempo, seu amor, seu tesão na vida, seu sonho e sua aventura para as quarenta horas sentadas diante do micro.

Mas você já sabia! Você já sabia o esquema, você sabia que teria que trabalhar, você sabia que um dia você seria independente, que você pagaria suas contas sem dar conta disso pra ninguém, você sabia que teria uma oportunidade, você sabia que poderia ser isso que você é, você sabia. E o que mudou, você conquistou o que você queria aos dezessete, você é adulto, um adulto criativo, um adulto descolado, você é tudo que você sonhou, mas o sonho saiu da imaginação e impregnou a sua existência até o osso.

E agora você não quer? Ou você quer outra coisa que nem sabe direito o que é? O que mudou dos dezessete pra agora? Você amadureceu, cresceu, quebrou a cara, ralou, conquistou algumas coisas, uns canudos, uns espaços, você fez alguma coisa, mas por que parece que não está certo isso, por que essa insatisfação permanente, por que essa sensação de “eu não quero essa vida daqui, me dá outra” ou “pare o mundo que eu quero descer”?

E agora, qual é o seu sonho? Voltar a tocar tão bem quanto antes, dispor de aulas no meio da tarde pra alcançar isso, ou apenas largar tudo e ser nada, ser um viajante, sem casa sem dinheiro sem nada. Talvez leve mais uns dez anos pra você chegar a esta reavaliação, ou talvez não. Você já sabe o caminho, você já sabe o esquema e conhecendo o jogo, tendo jogado, perdido e ganhado você pode ir além do que os outros, além desse ponto onde você parou. O importante é não parar, pode até olhar pra trás, comparar, refletir, chorar, se arrepender, e esquecer, ignorar; mas tem que continuar, se reaprumar, como um caminhante, que olha a estrada atrás e a bifurcação à frente tem muito ainda pra andar, mas você já passou por estrada suficiente pra saber qual lado da sola do sapato gasta mais.

Você já sabe que o jogo é esse, você já sabe onde pode chegar. A escolha não é ganhar dinheiro ou não, a escolha não é ser perdedor ou vencedor. A escolha está muito além disso, está na sua relação com o que você gosta, com o que você sabe e o que desconfia, entre o que você faz pros outros e o que você faz pra você. Por incrível que pareça, antigamente as pessoas levavam cinqüenta anos pra entender isso. Você ainda nem tem trinta! Crescer faz parte do plano, e errar menos faz parte da regra. Pense nisso.


2 comentários:

Desirée disse...

Otimo texto, parabéns.

Alternativa disse...

desiree
foi baseado em fatos reais! haha
obrigado...