segunda-feira, 5 de maio de 2008

Até onde posso ver?

Diariamente a rotina começa pela manhã, tomo banho, café, me arrumo, pego o ônibus, levo uma hora dentro dele, desço no mesmo ponto, atravesso, subo a ladeirinha, chego no trabalho. Sento na minha cadeira, abro os emails, jogo uma palavra qualquer no google, escrevo um pouquinho, tomo café, converso um pouquinho, trabalho um pouco, almoço. As mesmas conversas, alguém está doente, o filho de alguém está doente, alguém terminou com o namorado, alguém brigou com o chefe. Volto pra minha mesinha, tomo um café, escrevo um pouquinho, trabalho um pouquinho, alguém me chama no msn, nada de mais. Como uma frutinha, dou uma voltinha, vou no banheiro. A conversa começa a ficar boa, já são mais de quatro horas, tenho que correr pra entrar no ônibus, me aperto contra duas gordas cheias de sacolas, ouço meu mp3, o ônibus pega um transito, só consigo sentar quando para no terminal. Sento e espero mais meia hora, que o ônibus chega no meu bairro. As vezes desço uns pontos antes, gosto de vir andando pelo calçadão; as vezes não, as vezes desço no ponto certo, e os carinhas do ponto sempre mechem comigo, as vezes faço cara feia e falo um palavrão; as vezes não falo nada, passo rápido por eles. Quando da tempo atravesso mais pra frente, e quase que não ouço a brincadeira idiota deles. Chego em casa, tudo exatamente no mesmo lugar que eu deixei. E agora?

Tenho uma hora para fazer o que quiser. Posso dançar, posso ver novela. Posso lavar a louça, posso fazer cocô. Posso tomar uma cerveja, posso escrever um post, um poema, posso ler um capítulo de um livro. Posso fazer exercícios respiratórios, posso meditar. Posso ir na locadora e pegar um filme. Posso começar a cozinhar.

Dentro de uma hora chega meu maridinho, que me desaloja do pc (se eu estiver aqui), quer comer, quer ver tv, quer ouvir música. Conversamos sobre o dia, sobre o tempo, sobre como estamos. E quase sempre estamos bem, e quase sempre estamos do mesmo jeito. Ele me conta das aulas, me conta do que aprendeu. Eu comento alguma coisa que li, algum comentário que ouvi, alguma vontade de ser.

E dormimos. Às vezes dormimos juntinhos, às vezes esparramados. Às vezes sou eu quem dorme primeiro, as vezes ele desmaia antes de mim. Às vezes transamos. Às vezes gostamos do dia, as vezes torcemos pra que seja outro quando acordarmos.

E tudo se repete do inicio ao fim, dos dias úteis aos dias inúteis, dos dias claros aos dias chuvosos, muda-se o figurino mas não se muda a essência.

E quando seremos diferentes, afinal, daqui a um ano? Dois? Quatro anos? É preciso se formar, é preciso graduar, mestrar, doutorar. É preciso trabalhar, é preciso concursar. É preciso estudar, é preciso trabalhar. É preciso experimentar, experienciar.

E chamam a vida de experiência, e chamam a vida de útil, e chamam a vida de luz. E eu olho pra trás e agradeço por já ter feito um quarto das coisas, já terminei a escola, já terminei a graduação. Mas tem tanto ainda que eu quero ser, tanto ainda pra provar, tanto ainda pra aprender. Tanta coisa pra fazer. E já me canso de pensar. Não agüento mais estudar, mestrar, escrever, certificar. Quero ler, quero poesia, quero literatura. Quero falar espanhol, quero fugir dessa vida, quero estar em outro lugar.

O tempo inteiro – penso como seria se não estivesse aqui, se estivesse lá; se agora tivesse no metrô de Paris, como seria? Se tivesse que trabalhar em francês, se tivesse que estudar em francês, como seria?

Penso, se fosse dançarina e agora como seria? Estaria ensaiando uma coreografia chata, dura, morta das pernas e dos braços, exausta e infeliz por fazer eternamente o que um dia alguém imaginou que era perfeição?

Penso, e se pudesse ganhar menos, e se pudesse trabalhar menos, como seria? Ter mais tempo pra escrever, ter mais tempo pra sonhar, ter mais tempo pra aprender. Poder descansar, poder gostar. Será que eu estaria chateada ainda, será que acordaria e só veria o que é o ruim, o que é igual? Será que nunca vemos a diferença, porque nunca chegamos a vivê-la? A cada momento nos envolvemos com as igualdades, as coisas se rearranjam para ficar iguais ou somos nós que mudamos pouco ou nunca mudamos, mesmo se trocamos de lugar, de emprego, de namorado?

Somos constantes? Então por que diabos eu amo o movimento, a diferença e a mudança? Queremos coisas novas, mas não nos renovamos. Queremos que os outros mudem, mas nós mesmos nunca mudamos.

Ontem eu mudei, Eu tava boa, eu fiquei mal. Vi o lado positivo, depois o negativo. Depois mudei de ângulo, tentei ver diferente. Fiquei mais realista, depois tentei ser otimista. Depois doeu meus olhos, depois eu acho que dormi. E já estou outra, ainda a mesma, com dor nos olhos, será que eu ando vendo demais, ou será que tô forçando muito pra manter o foco? Preciso de um oftalmo pra me dizer o quanto eu posso ver.

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